Osmose Reversa resiliente ao clima: tendências de projeto, operação e gestão de concentrado

A intensificação de secas, cheias, intrusão salina e eventos biológicos extremos redefine o contexto da água no mundo – e no Brasil. Para sistemas de osmose, isso significa projetar e operar com variabilidade muito maior de temperatura, turbidez, matéria orgânica natural, PFAS e sólidos coloidais, sem perder eficiência energética, qualidade sanitária e o controle operacional. Este artigo sintetiza as tendências que estão tornando a osmose reversa um pilar de reuso climático-resiliente: pré-tratamentos robustos, automação preditiva, integração com renováveis, novas rotas para concentrado e verificação sanitária por barreiras múltiplas, ancoradas em normas e guias técnicos.

1. Clima, qualidade de água e implicações para a osmose reversa

O IPCC destaca que as mudanças climáticas afetam simultaneamente disponibilidade, qualidade e regime hidrológico: mais extremos hidrológicos, maior incerteza sazonal e pressões sobre a segurança hídrica. Esses efeitos impactam diretamente a alimentação da osmose reversa – por exemplo, aumentos de temperatura reduzem viscosidade, alteram coeficientes de transferência e favorecem crescimento biológico; cheias elevam turbidez/SDI e picos de matéria orgânica, exigindo pré-tratamento dinâmico; secas e intrusão salina elevam TDS e boro, pressionando recuperação e energia específica.

Além disso, a regulação para micropoluentes endureceu. Nos EUA, a EPA fixou 4 ng/L para PFOA e PFOS e 10 ng/L para PFNA, PFHxS e HFPO-DA, o que tem repercussões de engenharia para potabilização e reuso avançado.

2. Pré-tratamentos resilientes a eventos extremos

A resiliência começa antes das membranas. Tendências consolidadas:

  • Ultrafiltração (UF) ou MBR como barreira coloidal/biológica estável, reduzindo SDI e variabilidade. 
  • AOP (ozônio/UV-AOP) como anteparo para compostos oxidáveis, aliviando bioincrustação jusante.
  • Remoção seletiva de ferro, manganês e sílica para habilitar recuperações mais altas sem acelerar incrustação.

3. Projeto de osmose reversa com foco em variabilidade e eficiência

(a) Janelas operacionais ampliadas.

Projetos passam a explicitar envelopes “sazonais” de operação (inverno/verão, cheia/seca) para fluxo (LMH), recuperação, gradientes de pressão e limites de concentração (sílica/LSI, Fe/Mn). Essa abordagem evita dimensionamentos “no fio da navalha” e alonga a vida útil dos elementos. Os manuais técnicos reforçam boas práticas de pré-tratamento, CIP e troubleshooting com limites claros de química da água, incrustação e bioincrustação.

(b) Eficiência energética sistêmica.

ERDs de alto desempenho, boas curvas de bomba, VFDs e arranjos hidráulicos de baixa perda permitem quedas de kWh/m³ sem sacrificar robustez. Em salmouras “difíceis”, recuperação alta segura é calibrada com doses dinâmicas de anti-incrustante e “flushes” programados, apoiados por modelos de saturação e tendência de incrustação.

4. Automação preditiva e IA operacional

A operação da próxima década tende a ser preditiva: modelos de incrustação alimentados por dados on-line (ΔP, SDI, UV254, osmose reversa, P, LSI, temperatura) e por previsões climáticas/hidrológicas. Isso habilita:

  • Setpoints dinâmicos de recuperação por estação (ou por campanha climática), preservando margem contra sílica/LSI em meses quentes.
  • Limpeza otimizada (CIP) por condição, substituindo calendários fixos por gatilhos estatísticos (tendência de incrustação) – reduz químicos, energia e indisponibilidade.
  • Detecção precoce de desvio de integridade por análise de padrão (saltos de condutividade de permeado por exemplo).

A digitalização também reduz o “custo da variabilidade”: ao aprender a resposta do sistema a mudanças de qualidade afluente evento a evento, a osmose reversa passa a operar dentro de envelopes, com segurança sanitária e menor consumo específico.

5. Integração com fontes renováveis e operação intermitente

Com maior participação de solar/eólica in loco, cresce a operação intermitente. As melhores práticas incluem:

  • Partidas/paradas suaves (rampas) com “flushing” de baixa salinidade e controle de cloro/oxidantes.
  • Gestão de biofilmes em períodos de parada: preservação com água limpa e biocida compatível, mitigando choques térmicos e de salinidade.
  • Dimensionamento elétrico para picos e coordenação com armazenamento (baterias hidráulicas/ERDs), a fim de manter faixas de pressão/fluxo estáveis.

Resultados mostram que, com automação adequada, a intermitência não precisa penalizar a vida útil das membranas, e pode até reduzir LCOE hídrico (custo nivelado do permeado) quando a energia marginal é mais barata no horário solar.

6. Gestão de concentrado: de passivo a portfólio de rotas

Em vez de uma única solução de descarte do concentrado, a tendência é o portfólio de rotas, combinando:

  • MLD/ZLD modulares para setores com restrição hídrica ou regulatória;
  • Extração seletiva (Mg, Ca, Li, boro) quando há usos industriais locais;
  • Mistura e reuso não potável em fins compatíveis (lavagem, torres) mediante avaliação de risco;
  • Co-tratamento com efluentes industriais que agreguem valor (neutralização, precipitação dirigida).

7. Segurança sanitária e verificação por barreiras múltiplas

Para reuso – potável ou não – a abordagem por barreiras múltiplas (UF/MBR + osmose reversa + AOP + carvão/IX) e gestão baseada em risco são o estado da arte, conforme guias da OMS para potável por reuso, que detalham sistemas de controle, monitoramento e comunicação de risco. No Brasil, a Portaria GM/MS nº 888/2021 rege o padrão de potabilidade e a vigilância da qualidade da água, servindo de base para enquadramento de usos e planos de amostragem.

8. Indicadores técnico-econômicos e de carbono

Em um mundo com energia e água variáveis, kWh/m³ segue central, mas dialoga com:

  • CO₂e/m³ (fator de emissão da rede vs PV onsite);
  • OPEX químico (anti-incrustante, limpeza, descarte/valorização de concentrado);
  • Vida útil de membranas (anos por elemento) sob cenários quentes e com SDI elevado;
  • LCOH₂O (custo nivelado do permeado) por cenário climático.

Projetos vencedores estão comparando “sazonalidade” desses indicadores: uma planta que mantém faixa de 0,6–1,0 kWh/m³ em meses frios e 0,8–1,3 kWh/m³ nos quentes, com ΔP controlado e CIP sob demanda, será mais competitiva do que outra com média similar, porém alta variância e paradas não programadas.

Autor: Joaquim Marques Filho, M.Sc.

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