Introdução
A tecnologia de osmose reversa é amplamente utilizada na produção de água potável, água de processo e reúso, tendo como base a aplicação de membranas semipermeáveis submetidas a pressão que supera a pressão osmótica do fluxo de alimentação, de modo a permitir que o solvente (geralmente água) passe enquanto a fase concentrada (sais, sólidos dissolvidos, matéria orgânica) seja rejeitada.
Um dos principais desafios operacionais em sistemas de osmose reversa é o fenômeno de formação de incrustações (scaling) e de deposição de sais pouco solúveis na superfície da membrana ou no canal de permeado/concentrado. Esse fenômeno reduz o desempenho, eleva a pressão de operação, reduz o fluxo permeado e pode comprometer a vida útil das membranas.
A aplicação de anti-incrustantes (antiscalants) é uma estratégia preventiva utilizada para controlar ou adiar a formação de precipitados, garantindo desempenho estável das membranas e reduzindo a frequência de limpezas químicas. Neste artigo serão abordados: (i) composição e modo de atuação dos anti-incrustantes; (ii) as informações de análise da água de alimentação relevantes para avaliar a necessidade do uso; (iii) o momento em que devem ser usados, considerando o índice de saturação de Langelier; e (iv) implicações práticas para projeto e operação.
Composição e modo de atuação dos anti-incrustantes
Composição
Os anti-incrustantes utilizados em sistemas de osmose reversa geralmente consistem em polímeros ou copolímeros de fósforo, polifosfatos, organofosfatos, poliacrilatos, polifosfonatos, hetero‐polímeros ou misturas desses componentes, além de aditivos dispersantes e ativadores. Por exemplo, um estudo recente evidencia que anti-incrustantes à base de ácidos fosfônicos apresentaram diferentes eficiências de inibição, dependendo da quantidade de material adsorvido sobre a superfície do cristal em crescimento.
Modo de atuação
O mecanismo básico de atuação dos anti-incrustantes inclui:
- Inibição da cristalização de sais pouco solúveis (ex: carbonato de cálcio, sulfato de cálcio, bário, estrôncio) sobre a superfície da membrana ou no fluxo concentrado.
- Adsorção ou ligação de moléculas inibidoras à superfície de crescimento dos cristais, alterando a cinética de precipitação, retardando a nucleação ou inibindo o crescimento de cristais.
- Mudança das condições de saturação local ou dos sítios de nucleação, fazendo com que a precipitação ocorra em outras partes do sistema ou permaneça em solução por mais tempo.
- Atuação como dispersante de partículas nucleadas, reduzindo o depósito e favorecendo a sua remoção via escoamento.
- Em alguns casos, os anti-incrustantes permitem operar com níveis mais elevados de recuperação no sistema de osmose reversa, reduzindo o volume de concentrado e aumentando a eficiência global, desde que a composição química permita.
- Dessa forma, os anti-incrustantes são uma ferramenta de projeto e operação que permite maior robustez ao sistema de osmose reversa, desde que corretamente selecionados e dosados.
Informações da análise da água de alimentação relevantes para avaliar a necessidade de anti-incrustantes
Para decidir se o uso de anti-incrustantes é necessário e qual dose, é fundamental uma análise completa da água de alimentação ao sistema de osmose reversa. As principais variáveis são:
- pH da água de alimentação.
- Temperatura da alimentação (em °C).
- Condutividade/TDS (total de sólidos dissolvidos).
- Alcalinidade (geralmente como CaCO₃ mg/L ou meq/L).
- Dureza de cálcio (e às vezes magnésio) – geralmente como mg/L Ca²⁺.
- Concentração de bicarbonato/carbonato.
- Sílica (sílica dissolvida) e/ou ácido silícico, quando aplicável, pois a sílica pode formar depósitos ou camada de gel sobre a membrana.
- Ferro, manganês, e outros metais que possam contribuir para precipitação ou coloides.
- Sulfato, estrôncio, bário e fluoreto, quando desejado, pois, podem formar sais pouco solúveis (ex: BaSO₄, SrSO₄, CaF₂).
- Relação de recirculação ou recuperação projetada.
- Índice de saturação (como o Langelier, entre outros) calculado para sais críticos.
Quando utilizar anti-incrustantes considerando o índice de saturação de Langelier e outros critérios
Índice de Saturação de Langelier (ISL)
O Índice de Saturação de Langelier (ISL) é um cálculo que indica a tendência da água em ser corrosiva ou incrustante em relação ao carbonato de cálcio. Ele é determinado pela subtração do pH de saturação (pHs) do pH real da água. Um ISL positivo ISL>0, significa que a água é incrustante (tende a formar depósitos), um ISL negativo ISL<0, indica que a água é corrosiva e um ISL igual a zero ISL=0 significa que a água está em equilíbrio químico.
No contexto de osmose reversa, embora a formação de precipitado possa envolver outros sais além de CaCO₃, o ISL é um bom indicador de alerta prévio de tendência de calcificação, todos os softwares de dimensionamento de osmose reversa apresentam o ISL como parâmetro.
Critérios para uso de anti-incrustantes
- Quando alimentação apresenta valor de ISL positivo ou próximo de zero com tendência a positivo. Por exemplo, se ISL ≥ 0 ou ligeiramente negativo, e outras variáveis (como cálcio elevado, alcalinidade elevada, TDS elevado, temperatura alta) sugerem núcleo de cristalização.
- Quando se prevê alta recuperação do sistema de osmose reversa – isto porque a concentração dos sais pouco solúveis no rejeito/fluido concentrado é maior, elevando o potencial de formação de escala.
- Quando as análises de água de alimentação indicam presença de sais críticos de baixa solubilidade, como sulfato de cálcio, bário/estrôncio, fluoreto, sílica, que podem formar depósito mesmo em condições moderadas. Neste caso, o uso de anti-incrustante permite “margem operacional” para evitar precipitação.
- Quando a mudança de pH ou acidificação sozinha não é suficiente ou não é viável economicamente ou operacionalmente. Por exemplo, se o pH de alimentação é tal que corroa tubulações ou requer neutralização posterior, o anti-incrustante pode ser mais adequado.
- Quando há evidência histórica ou piloto de aumento de pressão de operação, queda de permeado ou aumento de limpeza para sistema similar.
Alternativas ou complementos
Mesmo quando se usa anti-incrustante, recomenda-se monitoramento constante de parâmetros como pH, condutividade, permeado, pressão de alimentação e concentrado, índice de saturação real do concentrado, além de manter o pré-tratamento eficiente.
Procedimento operacional típico de aplicação
- Realizar análise de água de alimentação e estimar ISL e outros índices de saturação.
- Se índice positivo ou elevado risco de escala, considerar anti-incrustante.
- Selecionar anti-incrustante apropriado (considerar tipo de precipitado, compatibilidade com membrana, dose mínima, compatibilidade de sistema, custo).
- Definir dose inicial de anti-incrustante conforme especificação do fabricante/fornecedor ou software de modelagem.
- Ajustar operação: monitorar pressão de alimentação, permeado, rejeição, composição do concentrado, limpeza química e frequência.
- Revisar dose ou estratégia caso haja variação na alimentação ou operação.
Implicações práticas para projeto, operação e manutenção
- A seleção da membrana deve levar em conta a qualidade de alimentação e a tendência de deposição/incrustação.
- A dose de anti-incrustante e a estratégia de recuperação devem ser parte integrante da configuração: se há previsão de elevada recuperação, deve-se antecipar anti-incrustantes ou acidificação.
- A necessidade de monitoramento de concentração de sílica, ferro, alcalinidade, cálcio e outros íons deve ser parte do plano de laboratório, visto que algumas formas de escala requerem tratamento especializado ou anti-incrustantes específicos.
- No plano de manutenção, o uso de anti-incrustantes adequada reduz a frequência de limpeza CIP (clean-in-place) e prolonga a vida útil das membranas.
- Do ponto de vista operacional, o uso de anti-incrustantes exige controle da dosagem, riscos de sobredosagem (que pode causar problemas de espuma, incompatibilidades químicas ou contaminação do permeado) ou subdosagem (que implica em precipitação de sais).
- Do ponto de vista econômico, embora haja custo associado ao anti-incrustante, esse custo pode ser comparado com custos de manutenção, substituição de membranas, perda de produção e aumento de energia devido à elevação de pressão de operação.
- É importante registrar as condições de garantia das membranas conforme as recomendações do fabricante, pois o não cumprimento da pré-tratamento ou uso de anti-incrustantes pode afetar a cobertura de garantia.
Conclusão
O uso de anti-incrustantes em sistemas de osmose reversa é uma prática essencial em situações de risco de formação de escala, principalmente para garantir desempenho robusto, reduzir frequência de manutenção e preservar a vida útil das membranas. A composição dos anti-incrustantes (polímeros, ácidos fosfônicos, dispersantes, etc.) e seu modo de atuação (inibição de nucleação, adsorção sobre cristais, dispersão) são amplamente documentados, tanto em manuais de fabricantes de membranas quanto na literatura recente.
Para decidir sua aplicação, é fundamental uma análise de água de alimentação bem estruturada, contemplando pH, temperatura, TDS, alcalinidade, cálcio, bicarbonato, sílica, ferro, sulfato, entre outros — bem como o cálculo de índices de saturação como o ISL. Quando o ISL indica tendência à precipitação (valores positivos ou próximos de zero com outros parâmetros críticos elevados) ou quando a recuperação é elevada e/ou há sais pouco solúveis presentes, deve-se considerar o uso de anti-incrustante.
Em conformidade com as recomendações dos fabricantes de membranas de osmose reversa, a adoção de anti-incrustantes adequadamente selecionados e dosados permite que o sistema opere dentro de condições de projeto recomendadas, reduzindo o custo e aumentando a confiabilidade. A literatura recente confirma que práticas avançadas de dosagem e monitoramento podem otimizar o uso desses produtos e reduzir consumo químico.
Em vista disso, recomenda-se: (i) realizar um ensaio completo de água de alimentação antes do dimensionamento da osmose reversa, (ii) calcular o ISL e outros índices de saturação, (iii) identificar sais críticos de baixa solubilidade, (iv) selecionar o anti-incrustante mais adequado, (v) documentar todos os controles operacionais e analíticos, (vi) incorporar no plano de manutenção e monitoramento a verificação de pressão de alimentação, permeado, qualidade de permeado, e (vii) registrar os relatórios de desempenho para futura verificação de garantia.
Autor: Joaquim Marques Filho, M.Sc.